segunda-feira, 9 de março de 2009

O MUNICÍPIO DE PEDRO II

Trilha Ecoescola Thomas a Kempis - Pedro II - PI

LENDAS DA CIDADE DE PEDRO II - O LIVRO (Ernâni Getirana)

Desde menino vejo com bons olhos as manifestações da, assim chamada, cultura popular. Paralela a essa percepção, a leitura acerca do tema me proporcionou uma compreensão mais racional (sem a perda da ternura, jamais!) dessa “flor do povo”, que é sua cultura. Depois de minha tese de pós-graduação em educação, na qual abordo o problema da teoria e da prática curricular em escolas da rede estadual do município de Pedro II-PI, venho desenvolvendo alguns projetos cujo principal objetivo é pesquisar aspectos variados de nossa cultura e divulgá-los principalmente junto às novas gerações, para que conservemos vivos esses verdadeiros tesouros do povo da Terra da Opala. Hoje, mais do que em qualquer outra época da História da humanidade, faz-se necessário saber quem somos sob pena de, em assim não agindo, sermos esmagados incondicionalmente pelo rolo compressor do processo de globalização e corrermos o risco de perdermos nossa identidade cultural, nossa riqueza maior. Além desse trabalho sobre as lendas estou atualmente escrevendo sobre as manifestações afrobrasileiras. O trabalho resultante disto deverá chamar-se de “Umbanda por estas bandas”. Trata-se, pois, de um resgate histórico dessa forte tradição aos orixás nas Terras de Nossa Senhora da Conceição, para com isso dizer do peso que o catolicismo sempre teve por estas bandas. Um possível romance com o título provisório de “Boi Morto” teima em não querer sair de minha cabeça e do meu computador. Boi Morto, para quem não sabe, é o nome do primeiro garimpo de opala de Pedro II.

Nessa ceara da cultura os desafios são inúmeros, pois as fontes documentais são raras e, muitas vezes, incompletas. Basicamente o “procedimento metodológico” para relatar as lendas constou de conversas com pessoas idosas e de um posterior cruzamento dessas narrativas todas em suas muitas versões para que, assim, pudesse captar o “miolo” de cada uma delas. Eis o resultado: Lendas da Cidade de Pedro II.


Cachoeira do Salto Liso

Mirante do Gritador
Igreja de Nossa Senhora da Conceição


Bandeira de Pedro II

Mapa de Pedro II - no Brasil e no Piauí


Foto de satélite da cidade de Pedro II e adjacências - Google Map, 2008.



UM POUCO (SÓ UM POUCO MESMO) DE HISTÓRIA

Segundo Pereira (1988), o município de Pedro II teria sido fundado no final do século XVIII por João Alves Pereira que chegara por ali na companhia de seus irmãos Albino Pereira dos Santos, Abel Pereira dos Santos e do primo Antonio Pereira da Silva. Seriam todos de origem portuguesa e um de seus primeiros atos foi a construção de uma capela devotada a Nossa Senhora da Conceição, mediante a doação feita por João Alves Pereira de 1,5 Km2 de terra à Igreja. A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição dos Matões teria sido criada pela Lei Provincial nº 295, de 26 de agosto de 1851. O núcleo social ali constituído seguiu o padrão dos demais núcleos populacionais do Estado do Piauí à época, isto é, baseou-se na fazenda e na família.
Na verdade, não se vai dizer aqui que a sociedade de Pedro II, nos termos de sociedade de origem colonial, surge exclusivamente a partir desses povoadores portugueses que ali chegaram, ao final do século XVIII e que fixaram moradia no lugar por eles denominado de “Pequizeiro”. Tal visão simplória da formação das gentes piauienses não tem mais sentido. Muito provavelmente os negros fugitivos já formavam uma pequena comunidade na região de sertão conhecida como “São Luis”. Outros trazidos na condição de escravos deram início ao que hoje é o bairro “Saborá”, primeiro bairro da periferia da cidade de Pedro II, habitado por escravos ou seus descendentes, como parecem sugerir as notas de compra e venda de escravos ainda existentes em um dos cartórios locais. Desse bairro, procedem as primeiras lavadeiras e engomadeiras que serviam nas casas da elite econômica e política local. Além do que, na formação da sociedade pedrossegundense não se pode ignorar a presença indígena, cuja descendência fixou-se, sobretudo, na comunidade “Nazaré”.
A partir daí, tal sociedade seguiu um padrão conhecido de todos que a estudam. A rigidez de sua estrutura social, a concentração do poder político nas mãos de poucas famílias locais, o domínio do latifúndio, dentre outros fatores, marcaram e ainda marcam profundamente o modo de ser dos pedrossegundenses.
Fortes disputas políticas entre as, assim chamadas, “famílias tradicionais” pontuam a história desse município, na vigência do coronelismo, segundo Faoro (2004), uma prática de cunho político-social que vingou na Primeira República (1889-1930), nas cidades do interior do Brasil cujos dignitários (os coronéis) exerciam o poder em toda a plenitude da vida social, concentrando cargos, favorecendo amigos e aliados e cometendo os mais abjetos desmandos.
As práticas coronelistas que, de fato, determinavam a vida política do município, alijaram, econômica e socialmente, parte considerável da população pedrossegundense, sobretudo devido à concentração da terra, aspecto da realidade do município de Pedro II que será aprofundado no capítulo III, ao se abordar o contexto social no qual os bamburristas, de opala estão inseridos.


A Comarca Geral de primeira instância do município foi criada pela Lei provincial nº 872, de 15 de junho de 1875. Faziam parte da Comarca duas freguesias: a de Piripiri e a de Pedro II (grafado “Pedro Segundo”). A sede da segunda Comarca era a Vila de Pedro Segundo, assim consta no anexo da fala do Exmo. Dr. Raimundo Teodorico de Castro Silva, presidente da província do Piauí, na abertura da 2ª Sessão ordinária da 25ª legislatura da Assembléia Provincial do Piauí, no dia 1º de junho de 1885.


Para Pereira (1988), a economia da então vila de Pedro II baseava-se no cultivo da cana-de-açúcar (Saccharum officiarum), da qual se extraía a cachaça em cerca de sessenta engenhos espalhados pela região.
Além da cana-de-açúcar, produzia-se na província de Pedro II, àquela época, milho (Zea mays), mandioca (Manihot esculenta), feijão (Phaseolus vulgaris) e arroz (Oryga sativa) e extraia-se cera de carnaúba (Copernica Cerífera). O rebanho de gado vacum apenas movimentava um pálido comércio de couro e de sola. Nenhuma menção é feita aos demais rebanhos caprino, eqüino, ovino e suíno.
Antes de fazer parte da Comarca Geral, pela lei supracitada (Lei provincial nº 872, de 15 de junho de 1875), a Vila de Pedro II chamara-se “Matões” e pertencia à freguesia de Piracuruca. A povoação foi elevada à categoria de freguesia pela Lei provincial nº 295, de 22 de agosto de 1851, consagrada a Nossa Senhora da Conceição, com os seguintes limites:
pela parte do Norte: toda a serrinha Pé da Serra, Curral Queimado, Chiminguar, Vereda e volta; pelo lado Leste – São João dos Matos, Veado, Monte Alegre, Ponta da Serra, lapa, Chapada e Sítio; pelo Sul: o Sobrado, Alagoas, Macacos, Buriti do Meio, Porteiras, Caraubas, Ininga; e pelo Poente – todas as terras das Cascondas, Olho D’ Água da Pedra e canto; e para a Serrinha do ponto de partida do círculo limítrofe (CASTRO SILVA, 1885 apud PEREIRA, 1988, p. 51).
Em 14 de agosto de 1854, a povoação Matões é elevada à categoria de vila, pela Lei provincial nº 367. A inauguração, porém, só ocorreu a 25 de agosto de 1855, com o nome de “Vila de Pedro Segundo” (que continuava a fazer parte da comarca de Parnaíba). Os limites anteriores da freguesia são mantidos. A Serra dos Matões passou a fazer parte do patrimônio da municipalidade pela Lei provincial 384, de 14 de dezembro de 1855. Em 28 de dezembro de 1889, a vila e o município de Pedro II voltam a se chamar Matões. Em 21 de fevereiro de 1891, a Vila passa à categoria de cidade com o nome de Itamarati, em homenagem ao Palácio da Presidência da República. Finalmente, pela Lei nº 641, de 13 de julho de 1911, até a presente data, a cidade passou a chamar-se Pedro II, em homenagem ao imperador do Brasil.
A sede do município (Fig. 2) localiza-se a 4º 25’ 18” de Latitude Sul e a 41º 27’ 34” de Longitude W, Gr., a uma altitude média de 550 m a 209 Km da capital do Estado. Pertencente à Bacia do Parnaíba, a hidrografia do município consiste de pequenos cursos d´água: Corrente, Matos, Capivaras, Parafuso e os olhos d´água Pirapora, Bonsucesso, Sucuruju, Bananeiras e Buritizinho, além dos açudes Mamoeiro e Joana.
Os primeiros relatos sobre o município de Pedro II não fazem nenhuma menção à existência da opala ou de qualquer outra gema ou minério. A opala, como se verá mais adiante, só seria encontrada acidentalmente na década de 1950.
Conhecido em outras épocas como “Terra do Clima Bom”, “Terra da Rede”, “Terra da Água Boa”, “Suíça Piauiense” e desde dezembro de 2007, como “Primeira Maravilha do Piauí”, nenhuma outra alcunha, entretanto, tem sido tão marcante para o município de Pedro II como a de “Terra da Opala”. A opala tem feito a riqueza de poucos, a desgraça de alguns e não tem mudado o estado de pobreza, e mesmo de miséria, de boa parte dos pedrossegundenses. O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do município é de 0,605 (PNUD, 2000). O fato de ser a “Terra da Opala”, não a isenta das mazelas sociais que assolam a grande maioria dos mais de 5.500 municípios brasileiros, como também faz pensar sobre as razões pelas quais elas persistem e, mais especificamente, porque os bamburristas sofrem tanto as agruras da pobreza material, quanto são eclipsados no espaço social pedrossegundense, em um processo de invisibilidade social.


O OUTRO LADO DA HISTÓRIA QUE AINDA NÃO FOI CONTADA

Na verdade, não se vai dizer aqui que a sociedade de Pedro II, nos termos de sociedade de origem colonial, surge exclusivamente a partir desses povoadores portugueses que ali chegaram, ao final do século XVIII e que fixaram moradia no lugar por eles denominado de “Pequizeiro”. Tal visão simplória da formação das gentes piauienses não tem mais sentido. Muito provavelmente os negros fugitivos já formavam uma pequena comunidade na região de sertão conhecida como “São Luis”. Outros trazidos na condição de escravos deram início ao que hoje é o bairro “Saborá”, primeiro bairro da periferia da cidade de Pedro II, habitado por escravos ou seus descendentes, como parecem sugerir as notas de compra e venda de escravos ainda existentes em um dos cartórios locais. Desse bairro, procedem as primeiras lavadeiras e engomadeiras que serviam nas casas da elite econômica e política local. Além do que, na formação da sociedade pedrossegundense não se pode ignorar a presença indígena, cuja descendência fixou-se, sobretudo, na comunidade “Nazaré” .
A partir daí, tal sociedade seguiu um padrão conhecido de todos que a estudam. A rigidez de sua estrutura social, a concentração do poder político nas mãos de poucas famílias locais, o domínio do latifúndio, dentre outros fatores, marcaram e ainda marcam profundamente o modo de ser dos pedrossegundenses.
Fortes disputas políticas entre as, assim chamadas, “famílias tradicionais” pontuam a história desse município, na vigência do coronelismo, segundo Faoro (2004), uma prática de cunho político-social que vingou na Primeira República (1889-1930), nas cidades do interior do Brasil cujos dignitários (os coronéis) exerciam o poder em toda a plenitude da vida social, concentrando cargos, favorecendo amigos e aliados e cometendo os mais abjetos desmandos.
As práticas coronelistas que, de fato, determinavam a vida política do município, alijaram, econômica e socialmente, parte considerável da população pedrossegundense, sobretudo devido à concentração da terra, aspecto da realidade do município de Pedro II que será aprofundado no capítulo III, ao se abordar o contexto social no qual os bamburristas, de opala estão inseridos.
A Comarca Geral de primeira instância do município foi criada pela Lei provincial nº 872, de 15 de junho de 1875. Faziam parte da Comarca duas freguesias: a de Piripiri e a de Pedro II (grafado “Pedro Segundo”). A sede da segunda Comarca era a Vila de Pedro Segundo, assim consta no anexo da fala do Exmo. Dr. Raimundo Teodorico de Castro Silva, presidente da província do Piauí, na abertura da 2ª Sessão ordinária da 25ª legislatura da Assembléia Provincial do Piauí, no dia 1º de junho de 1885, reproduzida por José Eduardo Pereira:

A Vila de Pedro 2º, sede da Comarca, está situada em terreno acidentado, acha-se cercada de serrotes e outeiros pedregosos, de algumas serras frescas, pouco extensas, o que faz constituir a variedade de seu clima, em geral muito ameno e agradável. O solo, por conseguinte, divide-se em duas partes distintas, montanhosa e sertaneja, sendo aquela muito fresca, produtiva e coberta de matos, e esta, cortada de ribeiros que só correm pelo inverno, de tabuleiros e serrotes, e de excelentes pastagens (CASTRO SILVA, 1885 apud PEREIRA, 1988, p. 51).

Para Pereira (1988), a economia da então vila de Pedro II baseava-se no cultivo da cana-de-açúcar (Saccharum officiarum), da qual se extraía a cachaça em cerca de sessenta engenhos espalhados pela região.
Além da cana-de-açúcar, produzia-se na província de Pedro II, àquela época, milho (Zea mays), mandioca (Manihot esculenta), feijão (Phaseolus vulgaris) e arroz (Oryga sativa) e extraia-se cera de carnaúba (Copernica Cerífera). O rebanho de gado vacum apenas movimentava um pálido comércio de couro e de sola. Nenhuma menção é feita aos demais rebanhos caprino, eqüino, ovino e suíno.
Antes de fazer parte da Comarca Geral, pela lei supracitada (Lei provincial nº 872, de 15 de junho de 1875), a Vila de Pedro II chamara-se “Matões” e pertencia à freguesia de Piracuruca. A povoação foi elevada à categoria de freguesia pela Lei provincial nº 295, de 22 de agosto de 1851, consagrada a Nossa Senhora da Conceição, com os seguintes limites:

pela parte do Norte: toda a serrinha Pé da Serra, Curral Queimado, Chiminguar, Vereda e volta; pelo lado Leste – São João dos Matos, Veado, Monte Alegre, Ponta da Serra, lapa, Chapada e Sítio; pelo Sul: o Sobrado, Alagoas, Macacos, Buriti do Meio, Porteiras, Caraubas, Ininga; e pelo Poente – todas as terras das Cascondas, Olho D’ Água da Pedra e canto; e para a Serrinha do ponto de partida do círculo limítrofe (CASTRO SILVA, 1885 apud PEREIRA, 1988, p. 51).




A SEREIA DO PIRAPORA (uma das lendas da cidade de Pedro II)


Há muitos e muitos anos, antes da cidade de Pedro II ter sido fundada, nas proximidades do que hoje é o olho d’água do Pirapora morava um casal que tinha apenas uma filha. Era uma moça muito bonita, no esplendor dos seus dezesseis anos. Helena possuía uma enorme cabeleira preta. Helena costumava buscar água todos os dias lá embaixo no Pirapora num lugarzinho conhecido como Pinga, onde o cair d´água formava um pequeno poço.

Um certo dia, como de costume, seus pais tiveram que sair à tardinha para visitar uns parentes que moravam meio longe, e embora a mãe insistisse para que ela os acompanhasse naquela visita, ela disse que preferiria ficar em casa, só daquela vez. A mãe atendeu ao pedido da filha, que era uma boa menina. Porém, pediu que naquele dia ela não fosse buscar água no Pinga, pois era uma Sexta - feira santa e nesse dia ninguém trabalhava.

Helena, no entanto, pela primeira vez desobedeceu sua mãe. Tão logo os pais dobraram o arvoredo, ela seguiu direto rumo ao Pirapora. Depois de trancar a porta da casa, saiu levando consigo uma cujuba para trazer cheia de água.

Aquela região tinha uma vegetação muito verde e densa, com árvores frondosas e muito altas. O que Helena havia escondido de sua mãe é que há dias avistara um lindo pássaro pousado em uma pedra na beira na riachinho. A imagem do pássaro e o som inebriante de seu dolente canto não lhe saíam mais da memória, de modo que ela não conseguia pensar em outra coisa que não fosse na bela figura daquele ser alado.

Chegando à beira do poço que se formava a partir do filete de água que escorria desde o Pinga, a menina sentou-se em uma das pedras e ficou admirando a beleza do lugar.

De repente uma miríade de cores surgiu no espelho d’água. Era o pássaro emplumado, cantando como nunca fizera antes. Encantada, a menina despiu-se rapidamente e mergulhou no intuito de capturar o belo ser pousado numa pedra semi-submergida n´água do outro lado do riacho.

Mas por azar pisar por entre as grotas revoltas, escorregou e bateu com a cabeça numa pedra e perdeu os sentidos. Helena morreu afogada sem saber que o seu pássaro na verdade pousara no galho de uma das árvores que ficava na beira do poço e que o que ela tentara pegar era apenas a imagem dele refletida na superfície da água.

Ao chegarem do passeio os pais de Helena deram por sua falta e com mais algumas pessoas da redondeza passaram a noite toda procurando pela moça, mas nada encontraram. A mãe de Helena enlouqueceu devido à perda de sua única filha. O tempo passou. Os pais de Helena morreram de desgosto. As pessoas sempre comentavam o ocorrido.

Mas hoje em noite de lua cheia, quando o astro aparece por sobre o paredão do Pirapora há quem jure ouvir um canto plangente que ecoa por todo a muralha do Pinga até sumir lá para as bandas da barra. As pessoas que já ouviram o canto dizem que dá para se distinguir nitidamente a voz de uma menina e o chilrear de um pássaro. Os moradores das bandas do Pirapora, então, acreditam que Helena e seu pássaro estão finalmente juntos e felizes na eternidade.

As pessoas juram que em noite de luar, quem for espiar o Pirapora de dentro do mato consegue ver uma bela sereia sentada sobre o lajedo à beira do riachinho por onde escoa uma água rendada, com um pássaro pousado no ombro.





VISIBILIDADE QUE INVISIBILIZA: o discurso do catálogo de jóias criado em 2007 pelos apoiadores do Arranjo Produtivo Local da Opala do município de Pedro II – PI.


Ernâni Getirana de Lima-UESPI


RESUMO:

O município de Pedro II – PI é o segundo exportador mundial de gema de opala, atividade, contudo, insalubre para os mais de trezentos garimpeiros bamburristas locais. Estes, além de não ficarem com a parte substancial do bônus econômico e simbólico do comércio de opala, vêm padecendo, ao logo das últimas seis décadas, de um histórico processo de invisibilidade social. O artigo faz uso do método de análise de discurso para analisar o catálogo de jóias de opala laçando em 2007 pelos apoiadores do Arranjo Produtivo Local da Opala, mostrando que a reprodução dessa invisibilidade é endossada por aqueles que deveriam ajudar a combatê-la.

PALAVRAS - CHAVE: catálogo, bamburristas, invisibilidade social, análise de discurso.


ABSTRACT:

The municipality of Pedro II - PI is the world's second exporter of opal gem, activity, however, unhealthy for more than three hundred local miners bamburristas. These, in addition to not get the substantial part of economic and symbolic bonus of trade of opal, they are suffering, for the last six decades, a historical process of social invisibility. The article, makes use of the method of analysis of discourse to examine the catalog of opal jewelry edited in 2007 by supporters of the Local Production System of Opal, showing that the reproduction of that invisibility is endorsed by those who should help fight it.

KEYWORD: catalog, bamburristas, social invisibility, analysis of discourse.


INTRODUÇÃO


A ensaísta norte-americana Sunsan Sontag disse da relação entre fotografia e legenda que “todas as fotos esperam sua vez de serem explicadas ou deturpadas por suas legendas” (2003: 14). O que nos leva a concluir que as fotografias não falam por si mesmas. Ou que pelo menos não falam tudo. Nossa intenção não é a de discutir teorias acerca da imagem ou da fotografia, mas, com base na teoria de análise de discurso francesa (Orlandi (1987)) procurar demonstrar que os apoiadores do Arranjo Produtivo da Opala - APL Opala corroboram com o processo de invisibilidade social do qual são vitimizados os garimpeiros bamburristas de opala do município de Pedro II-PI. Para tanto, analisaremos o texto do catálogo Pedro Segundo Pedras de Primeira, lançado em 2007. Traçaremos, inicialmente, um breve panorama das práticas garimpeiras destacando-se, aí, as práticas garimpeiras opalinas. Num segundo momento, adentraremos propriamente à análise do catálogo, para, num terceiro momento, contextualizá-lo dentro da política de inserção produtiva do Arranjo Produtivo Local. Concluímos, por fim, que os apoiadores do APL Opala contribuem, paradoxalmente, para o processo de invisibilidade social dos bamburistas como grupo social marginalmente inserido na cadeia produtiva da opala.




1 PRÁTICAS GARIMPEIRAS OPALINAS

A relação entre humanos e minerais é antiga e se estende a todas as civilizações conhecidas. O elemento mineral, desta forma, tem fornecido a base material sobre a qual civilizações são erigidas e constroem seus mitos e lendas . A mineração e a garimpagem são, provavelmente, duas das mais antigas e difundidas atividades de trabalho praticadas pelos seres humanos no tempo e no espaço. Dentre as de garimpagem, a de gemas de opala é uma das mais raras, restringindo-se sua ocorrência, sobretudo, à Austrália e ao Brasil. Neste último o município piauiense de Pedro II sobressai-se como o segundo maior produtor mundial da “pedra da sorte”, uma das inúmeras denominações da opala (do sânscrito upala, pedra preciosa).
Os primeiros achados opalinos em Pedro II datam da década de 1930, quando um morador de uma comunidade local teria encontrado uma “pedra esquisita, leitosa e que faiscava”, segundo palavras do mesmo. Havendo posteriormente levado a tal pedra a um chefe político local, este, após consultar geólogos em Teresina, capital do Estado do Piauí, teria dito tratar-se de opala (GALVÃO, 2001).
A primeira fase da exploração da gema compreende o período entre 1950 a 1970, fortemente marcado pela informalidade e improvisação das atividades de garimpagem, com o emprego de técnicas rudimentares e de ferramentas artesanais . A segunda estende-se até o final da década de 1980 e culminou com o abandono dos garimpos por mineradoras estrangeiras, sobretudo australianas. Esse período é marcado também pelo contrabando desenfreado da gema e pela agressão ao meio ambiente. Finalmente a terceira e atual fase é marcada pela ascensão econômica e simbólica dos joalheiros e lapidários locais . Ao longo de seis décadas de exploração da opala no município, um grupo social situado na base da cadeia produtiva, porém, tem sido econômica e socialmente ignorado, vitimizado por aquilo que denominamos de invisibilidade social .

2 O CATÁLOGO

2.1 AS TAIS FOTOGRAFIAS

Abrimos um parêntese para lembrar que a relação da cultura ocidental com a imagem é milenar. A fotografia, como uma das técnicas de fixação da imagem surge na primeira metade do século 19 e não foi a descoberta de uma única pessoa, mas resultado do acúmulo de experiências, ao longo do tempo, de alquimistas, físicos e químicos sobre a ação da luz. Aristóteles fez observações sobre a luz quando da ocorrência de eclipses. No século 11 os árabes construíram a câmara escura, princípio da fotografia como a conhecemos hoje. Em 1802, Thomas Wedwood impregna imagens sobre couro branco, mas não consegue fixá-las, o que viria a acontecer apenas em 1777, com Karl Wilhelm Scheele. De modo resumido, podemos citar, na seqüência desses inventores da fotografia, Nicéphone Niépce e, sobretudo, Louis Daguerre, que em 1831 descreveu-a para a Academia de Ciências de Paris, tornando-a acessível ao público, para desespero dos pintores que a tomavam como rival da pintura. Não foi o que aconteceu, como sabemos.
Dito isso, esclarecemos que não é nossa pretensão nesse artigo analisar as fotografias de garimpeiros bamburritas do catálogo do ponto de vista da teoria da fotografia, ou da imagética, por assim dizer, mas apenas fazer uma rápida referência a elas devido ao suposto imbricamento existente entre fotografias e texto em um catálogo. É que embora o objetivo, aqui, seja tratarmos da linguagem verbal, faremos uma sucinta descrição das fotografias por compreendemos que essas compõem com os textos um todo articulado que, em última instância, termina, como argumentamos, por invisibilizar aqueles a quem deveria evidenciar, os bamburristas.
O catálogo em questão, Pedra Primeira de Pedro Segundo trata-se de uma peça publicitária de fino acabamento gráfico lançada em janeiro de 2007 pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Piauí, Sebrae – PI, um dos principais apoiadores do Arranjo Produtivo Local da Opala – APL Opala . O catálogo possui dimensões de 21 por 21 cm e contém vinte e duas páginas, das quais três com textos sobre os garimpeiros bamburristas e seis fotos coloridas desses mesmos bamburristas. As demais fotografias são de jóias de opala, havendo, ao final, a fotografia de um ourives local e outra de sua mão manuseando um maçarico. Os demais textos fazem alusão às jóias. Na segunda capa há uma citação atribuída a um velho garimpeiro local: “O dia do garimpeiro é sempre o dia de amanhã: se ele não encontra a pedra hoje, amanhã encontra”. Na terceira capa encontram-se os logotipos dos realizadores e apoiadores do catálogo, entidades e instituições participantes do APL Opala. Os textos são de autoria de Maria Emilia Kubrusly e as fotografias com bamburristas de Rodrigo Viana.
Todas as fotografias de bamburristas, com exceção de uma em close, os apresentam em plano geral , com suas roupas de trabalho e botas surradas, camisas de mangas compridas, calça comprida, lenço no rosto e chapéu de abas longas. A primeira fotografia (em plano geral) os mostra colados ao garimpo, com seus montes de areia revolta, as montoeiras . É preciso algum tempo para percebermos a presença de homens ali, pois eles aparecem camuflados contra o plano de fundo, o chão, uma vez que o tom de suas roupas aproxima-se do do ambiente opalino. Uma das fotografias mostra um bamburrista operando uma peneira. Trata-se da única fotografia que os apresenta quase em plano aberto. Não vemos, porém, seu rosto. Este se encontra encoberto por um lenço atado a um chapéu de palha que traz à cabeça. Na seqüência as demais fotos ou mostram (escondem) bamburristas em túneis escuros ou mostram suas mãos (apenas estas) em close tocando as gemas de opala. Haveria a possibilidade de objetarmos que as fotos com bamburristas não poderiam ser diferentes, uma vez que um dos objetivos da equipe responsável pelo catálogo, provavelmente, foi de mostrá-los trabalhando. Concordamos com isso, porém (e por que não?) poderia haver uma única fotografia que os mostrassem como pessoas , não apenas como trabalhadores, homens acoplados às ferramentas. Poderia haver uma fotografia coletiva, com todos eles de “rosto à mostra”, como se diz localmente.
Nesse sentido, o catálogo (como discurso) possui uma interface verbal e uma não-verbal articuladas pela equipe que o criou, estabelecendo uma relação dialógica (BACKTIN, 1998) entre ambas interfaces. Nesse ponto voltemos a Susan Sontag que ao se referir à relação entre fotografia e legenda chama nossa atenção para o fato de que toda imagem é um convite ao olhar e, às vezes, evitamos as legendas para não sofremos, pois estas racionalizariam as imagens exaurindo-as do devaneio a que somos levados ao observarmos qualquer imagem.
O catálogo Pedra Primeira de Pedro Segundo, lançado em 2007 pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae – PI, nas quais bamburristas são retratados em seis fotografias (12,5 % do total de páginas) que os mostram trabalhando no garimpo Boi Morto . Em nenhuma delas, porém, seus rostos são mostrados. Ao contrário, eles aparecem envoltos em lenços e chapéus de abas largas que lhes cobrem as feições, as expressões faciais. Assim, os corpos fotografados em plano aberto ou mesmo mais aproximados (plano médio), executam atividades de trabalho de extração e peneiragem da opala.
O próprio nome do catálogo (numa composição que lembra um texto concretista ) é um jogo semântico (e visual) entre quatro palavras : pedra/Pedro e primeira/Segundo. Uma das leituras possíveis seria a de que as palavras pedra e Pedro (feminino e masculino) denotam a idéia de que a opala é feminina, faz-se, portanto, uma acepção à figura da mulher e Pedro à figura do garimpeiro que a ‘conquista’. Não podemos esquecer de que a palavra pedra remete ao reino mineral, enquanto que a palavra Pedro remete ao reino animal e, mais precisamente, ao lócus da cultura, do humano. O que, por sua vez, pode denotar a ação de Pedro (cultura) sobre pedra (natureza). Do ponto de vista da cultura ocidental cristã, a frase atribuída a Jesus Cristo “Pedro, Tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a minha igreja (...)” (MATHEUS 16: 16-17), centraria na figura do garimpeiro o eixo principal a partir do qual a opala (reino da natureza) adentra ao mundo da cultura. O garimpeiro como fundamento, base desse processo de culturalização da pedra e, paradoxalmente, ao mesmo tempo de forma cruzada, da naturalização do homem. No entanto, a ‘pedra’ é que está em primeiro lugar, desde o início. É, portanto, do binômio a parte mais importante. Já nesse ponto pode-se pressentir o início do processo de apagamento da figura do garimpeiro. Pode-se objetar que não haveria oposição entre as palavras ‘primeira’ e ‘segundo’, mas há. Como parece lógico, a expressão ‘pedra primeira’ nasce da expressão ‘Pedro Segundo’. E mesmo que digamos que ‘Pedro Segundo’ está aí como lugar da opala, terra da opala, logo como ‘procedência’, a expressão ‘pedra primeira’ opõe-se à expressão ‘Pedro Segundo’, embora mantenha a idéia de ‘pertencimento’. Ou seja ‘pedra primeira’ é a primeira dentre as demais pedras, mas é também ‘primeira’ no sentido de ‘pedra’ mais importante do que ‘Pedro’, pois é o que o assenta (tanto ‘biblicamente’ como geologicamente, no limite). Além do mais, o fato de ter-se alterado a grafia do nome do município de ‘Pedro II’ (em algarismo romano) para ‘Pedro Segundo’ (numeral ordinal) reforça a idéia (involuntária, claro) de, por semelhança e contigüidade, deixar escapar tal oposição. Outro reforço a essa oposição (involuntária) é o aspecto gráfico: a palavra ‘primeira’ aparece escrita logo acima da palavra ‘segunda’, assim como a palavra ‘pedra’ aparece escrita logo acima da palavra ‘Pedro’.
Se levarmos em conta que o nome do município é uma homenagem ao Imperador D. Pedro II, por deslocamento poético a expressão ‘pedra primeira’ poderia, então, ser entendida como a pedra ‘preferida do imperador’. Ainda aqui boa parte da idéia de ‘primeira’ se mantém. O imperador a preferiria às outras. Nesse caso, o homem (personificado, agora, na figura não mais do garimpeiro, mas na do imperador) exerce seu ‘poder de escolha’ e ‘escolhe’ simbolicamente a opala. A opala sendo ‘escolhida’ dentre as demais pedras ‘pelo imperador’, torna-se, obviamente, objeto de admiração, objeto de desejo ‘de todos’. O prestígio da figura do imperador é ‘transmitido’ à pedra .

2.2 O texto propriamente dito

O texto propriamente a ser analisado tem como título ‘Por trás da jóia, por baixo da terra’. Como podemos ver, esse título mantém o clima concretista inicial do título do catálogo. O texto é constituído de nove parágrafos, dos quais apenas os que tratam diretamente dos garimpeiros serão abordados aqui. Primeiro parágrafo:
A pedra que reluz, solitária, no engaste perfeito do anel carrega uma história e traçou um caminho difícil de imaginar, diante da jóia pousada na maciez do estojo, sob as luzes da vitrine em que se expõe. Antes de chegar à lapidação e à joalheria, a opala precisa ser achada pelos heróis destas histórias: os garimpeiros de Pedro II. São cabras destemidos, que não hesitam em descer quase vinte metros num poço terra adentro à procura do veio luminoso encravado na argila, ou passar o dia sob o sol do sertão vasculhando, peneirando, lavando rejeitos (terra, pedra, cascalho) da mina, em busca dos preciosos fragmentos da opala” (CATÁLOGO ...2007 :16). (Parêntese interno no original).

Ao dizer que a opala precisa, antes de tudo, “ser achada pelos heróis destas histórias” o catálogo apresenta os bamburristas como seres especiais, não como trabalhadores Ora, essa é a primeira das muitas negações (invisibilizações) dos bamburristas. Compará-los a heróis é pô-los num pólo oposto ao de trabalhadores, pois os heróis são seres que ao se encontram numa posição intermediária entre homens e deuses devem realizar tarefas fora do alcance dos simples mortais. Atualmente a mídia tende a heroicizar algumas profissões como as de bombeiros e médicos, dentre outras, ressaltando o fato de que “colocam o interesse dos outros em primeiro lugar” (BATESTIN, 2008: 1). Por isso os bamburristas são descritos como “cabras destemidos, que não hesitam em descer quase vinte metros num poço terra adentro à procura do veio luminoso (...)”. Ou seja, ‘cabras destemidos ’ (corajosos, machos), seria o correspondente na linguagem do caboclo de ‘heróis’. Podemos, ainda fazer uma leitura dessa passagem como uma tentativa de folclorização dos bamburristas, uma vez que sua atitude de ‘destemidos’ é de arriscarem a própria vida. Os bamburristas ‘não hesitam’ em arriscar a própria vida em busca do ‘veio luminoso’ e isso os inscreve no folclore local como corajosos.
Passemos ao segundo parágrafo:
Quase todos [os bamburristas] garantem que o grande barato é encontrar a pedra, melhor que vender, ganhar e gastar o dinheiro. E são pessoas que dependem da atividade para pagar as contas do dia-a-dia, encher a panela da família, a maioria alternando o garimpo no verão (época da estiagem) com a lavoura no inverno (período chuvoso). Mas se rendem ao prazer e ao fascínio de desbravar a terra em busca da preciosa pedra (CATÁLOGO ... : 16). (Parêntese interno no original).

Evita-se, dizer no texto que os bamburristas são pobres. Usa-se o eufemismo “e são pessoas que dependem da atividade para pagar as contas do dia-a-dia, encher a panela da família (...)” para em seguida dizer que eles “se rendem ao prazer e ao fascínio de desbravar a terra em busca da preciosa pedra”, quando, na verdade o fazem por pura necessidade de sobrevivência. Ao ganharem, em média, R$ 16, 00 (dezesseis reais) por dia, para sustentarem uma família composta por cerca de cinco, seis pessoas, vemos que, nesse contexto, ‘fascínio’ e ‘prazer’ estão deslocado do contexto real de precarização do trabalho dos bamburristas (ANTUNES, 2006), e por isso silenciam a real situação social destes. Ou seja, ‘fascínio’ e ‘prazer’ vêm completar o eufemismo que silencia o drama dos bamburristas. Porque se é verdade que o sujeito reproduz o que pode ser dito e silencia o que não pode dentro de certa formação discursiva (ORLANDI, 1987), como acontece com os bamburristas em relação ao Arranjo Produtivo Local da Opala, numa estratégia de sobrevivência dos mesmos na arena social do Arranjo, também é verdade que, do ponto de vista de quem elaborou o texto do catálogo a estratégia é eclipsar qualquer desconforto pictórico/semântico que faça lembrar a situação de precarização da atividade extrativa da opala por bamburristas pois,

levando-se em conta que a linguagem é basicamente dialógica, podemos dizer que ao silenciar sobre algo, o locutor prende o interlocutor no quadro discursivo limitado por esse silêncio. Esse compromisso instituído pelo enunciador poderá, ou não, ser cumprido pelo interlocutor” (ORLANDI, 1987:264).

Próximo parágrafo:

São muitas as versões para descoberta da primeira destas pedras: um cara estava caçando um peba (tatu) e enfiou a mão na toca do bico, onde encontrou uma opala; outros garantem que foi um lavrador, que desenterrou uma gema ao preparar a roça para plantar mandioca; outras dizem que foi um cachorro perseguindo um preá, ou, ainda, alguém que fincava a cerca no chão, ou abria um buraco para plantar uma bananeira, e por aí vai (CATÁLOGO ... : 16-17). (Parêntese interno no original).

Mais uma vez, a foclorização é a tônica desse parágrafo. De qualquer forma o início da exploração da opala está inscrito no acaso. Não foi algo planejado, pensado. A atividade tem início de forma aleatória. Descrita dessa forma a atividade garimpeira aparece como uma atividade de não-trabalho, algo marginal, que não conta, que não deve ser levada a sério. Contudo,

a organização dos trabalhadores do garimpo, porém, na Cooperativa de Garimpeiros de Pedro II, criada há cerca de 5 anos, reduziu as incertezas, conforme explica um dos fundadores e presidente da COOGP, Antonio Sepúlveda Almendra Sobrinho, o Toinho: ‘O garimpo é uma aventura, um vício que a gente nunca quer abandonar, mas, com a formação da Cooperativa, passamos a ter mais controle da garimpagem e eliminamos os atravessadores’, comemora, esperando que cada vez mais garimpeiros se tornem cooperados (hoje são cerca de 80) (CATÁLOGO... : 17) ( Aspas internas no original).

O parágrafo acima prepara, assim, o espaço para sedimentação do Arranjo produtivo. A fala do presidente, ao mesmo tempo em que diz ser o garimpo ‘uma aventura’, ‘um vício’, cita a criação da cooperativa como um marco redutor de incertezas da atividade. Contudo, o espírito de cooperativismo não faz parte da índole garimpeira (BARBOSA, 1991). O que nos leva a dizer que, nesse sentido a Cooperativa de Garimpeiros de Pedro II-COOGP já nasce fragilizada, a exemplo de sua antecessora, em 1982.
Inúmeras são as histórias sobre a opala. O catálogo procura pinçar algumas delas, de forma genérica e as contrasta com a visão dos técnicos, que só vêem nessa manifestação identitária de bamburristas o viés exótico, o conhecimento popular, portanto digno de riso:


Relatos de opalas de 4 quilos, pedras de qualidade superior que permitiram a compra do terreno e a construção da casa rendem horas de conversas com os garimpeiros de Pedro II, assim como os casos fascinantes que todos contam e que se equilibram no limiar da realidade. A maioria garante que já viu o acender de fogos durante a noite, que se apagam sozinhos, da mesma forma que incandesceram, e juram: pode cavar no local onde a chama ardeu que vai ter opala. Engenheiros e técnicos da área de mineração e geologia sorriem, céticos, diante destas histórias, assim como todos que ouvem os casos de assombrações que habitam as minas, revelando-se nas raras noites em que é preciso dormir no local para vigiar. Verdade ou não, esta magia associada ao garimpo da opala serve apenas para tornar ainda mais fascinante e misteriosa esta gema de múltiplos brilhos e cores (CATÁLOGO ... : 17).


Quando o texto, então, vê alguma qualidade nessas histórias, o mérito é da opala, não dos bamburristas. Há, assim, um deslocamento do homem para a gema, eclipsando aquele em detrimento desta, pois
do ponto de vista da análise do discurso, o que importa é destacar o modo de funcionamento da linguagem, sem esquecer que esse funcionamento não é integralmente lingüístico, uma vez que dele fazem parte as condições de produção, que representam o mecanismo de situar os protagonistas e o objeto do discurso (ORLANDI, 1987:117).

Na abertura do catalogo Pedra Primeira de Pedro II a fala do superintendente do Sebrae - PI já antecipa a visão dos organizadores do catálogo:
a manifestação de opala no Piauí – pedra de reconhecida beleza e de grande variedade de cores – é fator de regozijo não apenas nas localidades onde o mineral ocorre, Pedro II e Buriti dos Montes, mas em todo o Estado, especialmente no coração de cada homem e cada mulher que por aqui habita” (SEBRAE, 2007:5).

Percebemos que a partir da descrição física da opala “pedra de grande beleza e variedade de cores” (que mantém o erro de dizer que se trata de uma ‘pedra’, ao invés de ‘gema’), o superintendente ajuíza um valor simbólico: “[a opala] é fator de regozijo (...) [não apenas para as pessoas dos municípios onde é encontrada, mas] em todo o Estado, especialmente no coração de cada homem e cada mulher que por aqui habita” (CATÁLOGO ..., p. 5), e, com isso, desloca o foco do bamburristas para a opala. O que ocorre ao longo de todo o catálogo.


CONCLUSÃO

O mundo da opala e, em conseqüência, o mundo dos bamburristas é um mundo povoado pela palavra. Bamburristas falam em demasia, nos momentos de folga no garimpo, ou quando estão em grupo à noite na sede da cooperativa e isso tem importância na construção de sua identidade sociocultural . A figura, porém, de um bamburrista destoa em muito da imagem de uma gema de opala lapidada e posta à venda. Enquanto bamburristas são ocultados nas fotos e em textos, a gema de opala é excessivamente fotografada e decantada em versos. O que seria um espaço para visibilisá-los termina tendo efeito contrário.



REFERÊNCIAS:

ANTUNES, R. As formas contemporâneas de trabalho e a desconstrução dos direitos sociais. In: SILVA, M.O.S. Políticas públicas de trabalho e renda no Brasil contemporâneo. São Paulo: Cortez, MA: FAPEMA, 2006, p. 41-51;
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: HUCITEC, 1988;
BARBOSA, L. A ética do desempenho nas sociedades modernas. 4ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1999;
BATESTIN, M. O herói o seu dever moral: o que ele é? Porque ele se torna um? Disponível em: < http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/533177>. Acesso: 26/10/2008;
CATÁLOGO PEDRA PRIMEIRA DE PEDRO SEGUNDO. Sebrae, Teresina, 2007;
DANTAS, A. M. Organizando a produção audiovisual. Disponível em: < http://www.mnemocine.com.br/cinema/principindex%20.htm>
GALVÃO, M.T.M.A. A opala nossa maior riqueza. In: Pedro II em verso e prosa. Pedro II. Departamento Municipal de Cultura de Pedro II-PI, 2001, p. 5-6;
GODOI, E. P. O trabalho da memória: cotidiano e história no sertão do Piauí. Campinas: Editora da Unicamp,1999;
GOMES, É. Contribuição à mineralogia, geoquímica e gênese das opalas de Pedro II-Piauí. (Trabalho de conclusão de curso). Universidade Federal do Pará. Belém, 1990;
LIMA, E.G. Bamburristas da terra da opala: Identidade sociocultural e os desafios frente a políticas de inserção produtiva em Pedro II. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas). Universidade Federal do Piauí, Teresina. Teresina: UFPI, 2008;
MINAMI, M. Y.;
MORAES, M. D. C. Memória de um Sertão Desencantado (modernização, narrativa e atores sociais nos cerrados do sudeste piauiense). Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2000;
MOUNIER, E. Manifesto ao serviço do personalismo. Lisboa: Morais, 1967;
ORLANDI, E.P. A linguagem e seu funcionamento: as forças do discurso. 2 ed. rev. e aum. Capinas, SP: Pontes, 1987;
SEBRAE, Pedra Primeira de Pedro Segundo (catálogo). Teresina, 2007;
SONTAG, S. Diante da dor dos outros. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2003.
BARBOSA, L. Garimpo e meio ambiente: águas sagradas e águas profundas. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n.8, 1991, p. 229-243.


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(Os textos acima são partes integrantes de minha dissertação de mestrado intitulada Bamburristas da Terra da Opala: Identidade sociocultural e os desafios frenta a política de inserção produtiva em Pedro II-PI, defendida em 2008 na UFPI e de livros que publiquei. O autor autoriza a utilização dos trechos ou de parte deles desde que CITADA A FONTE).

3 comentários:

ERNÂNI GETIRANA disse...

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ERNÂNI GETIRANA disse...

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Série... Pensamentos... disse...

Ilustre Professor Poeta e Amigo! Excelentíssimo Amigo!
Apreciando este Maravilhoso Trabalho, chamá-lo Grandioso, fica ainda vago. Entitulemo-lo de "Excelente Obra".
Por: AriGuimarhaes.